Thursday, October 15, 2020

O renascimento do ser social

 


Quando eu era bem mais nova, não que eu seja velha hoje, ok?, eu li um livro que me instigou a ter linhas de pensamento muito diferentes das que eu tinha até então; naquele contexto, me abriu as portas da percepção filosófica. Em “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, publicado em 1991, aprendi que “tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas” e que “para nos tornarmos bons filósofos precisamos unicamente da capacidade de nos surpreendermos”. É como enxergar a vida com a ingenuidade de uma criança, desprovida de ideias pré-concebidas e opiniões formadas em uma caixinha.

 

Pego esses conceitos e aplico para a nossa realidade atual. Antes desse 2020 com a duração de uma década eu pensava o que poderia deixar a vida mais pesada? Falta de emprego, briga familiar, perda de algum ente ou amigo, problema de saúde; várias circunstâncias adversas, mas, nem de longe, passava pela minha cabeça elencar nessa lista um isolamento social.

 

Não me lembro dos votos do casamento ter: na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza e na quarenta. Pois é, essa distopia chegou para nós, caiu no nosso colo como uma granada. O universo pegou essa situação impensável, jogou na gente e disse: “Se vira, dê seus pulos porque é o que temos para hoje. E amanhã. E depois... Dias a perder de vista”.

 

Quando (se) tudo isso passar, será meu renascimento como ser social. Situações corriqueiras serão sentidas com sensações nostálgicas e novas, vistas com um olhar diferente.

 

Será o fim daquele rompante de vazio sentido a cada sexta, sábado e domingo que nasça.

Vai acabar esse peso estranho de uma simples ida ao supermercado. Ir à praia não será um sonho distante. Dançar abraçada com as amigas, como se qualquer música fosse a mais significativa, vai ser tangível. Provar tira-gostos em um bar de calçada num sábado de sol virará rotina. Marcar eventos com todo leque de pessoas queridas vai ser permitido. Ir ao teatro, exposições, cultivar a cultura pungente desse país vai voltar a ser possível. E festivais de músicas? Aquele aglomerado de banda boa, com gente suada e muito compartilhamento de copo? Dentro da agenda também. (melhor evento para se fazer amizades eternas de um dia, com viagens programadas para nunca - até disso sinto falta).

 

E acho que vou usar do oportunismo para poder lançar - relançar - e inventar modas que não seriam aceitas caso não tivéssemos esse hiato de vivência no nosso tempo. Penso que pochete será legal, vou falar que antes todo mundo me chamava de Jojô Caribenha, e, com toda cara de pau, direi: vocês não se lembram não, gente? Talvez usar abadás em eventos solenes. Usar chapéus variados a cada nascer de dia. Sabe, acho que dá margem para nós construirmos novos padrões de convivência.

 

Aguardo ansiosamente esse dia futuro para eu recuperar o presente perdido.

 

 


 


 

Wednesday, June 24, 2020

Os outros vírus da pandemia




1) Comportamento alterado

Como um mantra, repetimos: Quem puder, fique em casa! Concordo. É a melhor maneira de protegermos uns aos outros e sigo assim. Mas você não teve nenhum surtinho de ansiedade, depressão, fadiga, tédio ou qualquer coisa que o valha? Nenhuma hora ‘cê num pensou’: ”Pro quinto dos infernos esse vírus desgramado, incoveniente do caramba! Eu vou saiiiiiiiir! Vou dar a volta no mundo, eu vooooou! Vou ver o mundo giraaaaaaaaaaaaaaaar!”

Porque eu flerto com esse rompante de loucura diariamente. Só não cometo porque envolve pessoas cuja saúde quero zelar.

Não! Eu não estou tirando aprendizados dessa pandemia (a não ser entender e temer um vírus entrando no corpo humano).

Não! Eu não estou achando gostoso ver séries e filmes o dia inteiro. Isso eu sempre tive um tempinho para fazer. Mas não o tempo todo que eu tenho.

2) Da irracionalidade à aceitação compulsória

Na primeira página de um dos meus livros favoritos da vida, estava eternizada uma frase que me envolveu desde o início da leitura: “Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias”. O meu pavor por uma situação assim não tinha nenhuma conexão com a minha realidade. Até esse emblemático e histórico 2020.

Já estamos fechando um semestre e sinto que envelheci 6 anos em 6 meses. E de uma forma que traz mais descompassos mentais do que aquele amadurecimento necessário à vida.

3) A importância do verbo esperançar

Quero que todo mundo mentalize o fim - com segurança - do isolamento. Não sei vocês, mas desejo esse marco ardentemente. E quem quiser me ver, SAI DE CASA! Estarei lá naquele buteco de calçada com cerveja tão barata quanto gelada. Entrarei em toda e qualquer fila que existir - e brasileiro adora uma né? - em vão, só para ficar perto de gente. Participarei de todos eventos a céu aberto, onde estarei bebendo em copos alheios e oferecendo os meus para todos, porque o Corona não será mais uma ameaça. Vou sair às sextas e voltar só domingo depois de passar na Feira Hippie.

Até lá, pessoal!




Wednesday, May 27, 2020

Viver para escrever e vice-versa




“Ame algo mais do que ame a si mesmo”. Disse algum filósofo cujo nome não recordo e não encontrei a citação novamente para creditar.

Sublinho: algo.

E que esse algo dependa só de você para poder virar um verbo de ação e um propósito de vida. Lição número um.

Depois, se quiser conquistar o mundo a partir disso, está mais do que permitido.

Primeiro, de dentro para fora.

Há cerca de um ano não preencho linhas, então, infelizmente, não possuo como álibi a atual quarentena por ter abandonado o algo que dá sentido à minha vã existência.

Brancas as páginas à minha frente. Sem cor também eu vim me desbotando.

Vazios os meus cadernos e meus arquivos de Word. Incompleta e fragmentada também eu vim me (des)construindo.

É a condensação em palavras do que se passa em minha cabeça e das sensações que permeiam o meu coração, combinando com os fatos que fazem do acaso o meu co-autor, que produzo aquilo que entendo como o mais valioso de mim: o texto.

Encerro esse curto ensejo de auto conselhos com um episódio que materializa essas reflexões expostas acima. Num desses incontáveis amigos ocultos dos quais a maioria da raça humana ocidental participa todo fim de ano - e que eu ainda me pergunto o porquê fazemos isso com nós mesmos - há um que eu prezo muito: o da minha turma amada que a paixão por jogar bola uniu. Meu presente naquela ocasião, para além de bonito e útil, foi uma uma toalha de praia - ah! Como eu respiro melhor na praia! - com a admoestação: “Olhe para dentro de você e sorria”.

E não seria esse o conselho universal para que consigamos não só sobreviver, mas viver, neste mundo tão complexo e adverso?

Como um sopro da minha criação, escuto a ordem: apenas continue escrevendo.

Que minhas mãos continuem sendo o instrumento da minha felicidade.