Mais estranho
que a ficção (Marc Forster, 2006) tem como mote a metalinguagem. São várias as
manifestações desse conceito dentro da obra, configurando um espiral de
metalinguagem no qual existem muitas formas dessa propriedade linguística, de
maneira que uma circunspecta a outra.
Para sintetizar,
o filme é o resultado do que se passa no livro sobre a vida do protagonista Harold
Crick (brilhantemente vivido por Will Ferrell), bem como a descrição do
processo de produção literária e fílmica. Esclarecendo, o longa é o produto
final dessa miscelânea de situações metalinguísticas. E a todo instante,
durante esse processo de construção de estórias (que na verdade é uma só) o
código linguístico refere a si mesmo, ou seja, o filme fala do filme, a autora
fala de seu livro, Harold reflete sobre sua vida: a metalinguagem é intrínseca a todas instâncias da obra.
A grande
diferença desse filme para outros roteiros adaptados de livros, é que, nesse
caso, as tramas do livro e do filme acontecem senão ao mesmo tempo, quase
simultaneamente, dentro do mesmo tempo espaço e dispositivo comunicativo. Uma
influencia a outra, uma exerce função na outra, existe relação de causa e
efeito entre ambas, de forma instantânea. O final de um depende do desfecho de
outro. E o fato de essas relações serem explicitadas durante o tempo fílmico é
um caso típico de metalinguagem. O processo de produção da arte é explicitado.
Os códigos linguísticos se auto mencionam o tempo todo.
Durante todo
o filme, é evidente que existe uma história de um livro e outra do próprio
filme, porém, a mistura homogênea de ambas é oficializada nos momentos finais
da obra, nos quais os enredos encontram-se em tempo, em sentido e em espaço,
até que personagens de ambos os meios vivem uma só trama.
Cada elemento
do filme-barra-livro carrega em si um conjunto de significados emblemáticos.
Para exemplificar, o sobrenome de Harold, traduzido para o português, é torcicolo. A inferência que fiz é que o
protagonista tinha um incômodo que o impedia de viver plenamente. Outra
leitura é que, sofrendo de torcicolo, Harold não pode movimentar perfeitamente a
sua cabeça. Ou seja, o giro de sua cabeça é tolhido pela dor, o que o impede de
olhar para outras direções; uma metáfora para a forma como ele rege a sua vida: estaticamente, como se usasse uma viseira, sem grandes aspirações.
Outro traço
ímpar do filme é apresentar uma narradora onisciente, ou seja, que não
participa da trama, e, logo depois inseri-la como personagem fundamental da
história. Ao colocar Eiffel como personagem, o espectador acompanha a
trajetória dela em busca do final para a vida de Harold, protagonista de filme
e livro.
Por fim, essa
peculiaridade mais estranha do que a
ficção de descobrir que tinha sido inventado por uma autora, acabou
salvando a vida de Harold em dois sentidos: ele não somente realmente
sobreviveu ao destino que e escritora tinha imputado a ele, como também passou a viver sua vida literalmente,
humanamente, prazerosamente, ao invés de automaticamente e sem empolgações ou
emoções, como antes.
Não fosse por
todas essas características inóspitas e complexas, o filme ainda atrairia pelos
diálogos inteligentes e um humor que vai do sofisticado pelo sarcasmo e ironia ao pastelão.