Wednesday, December 2, 2015

Roleta russa universal


A vida às vezes pode ser um dejá vu cíclico. Ou um filme inédito. Você pode até antever que a situação vai dar no que deram as (muitas) últimas, mas a esperança - que ora move o ser humano a conquistas, ora o cega para acreditar no impossível - interfere e o empurra abismo abaixo, ou céu acima. Na roleta russa das decisões da vida, o tiro no escuro pode acertar o alvo, ou ferir o inocente.

O ensejo se aplica a qualquer âmbito da existência humana: profissional, relações pessoais, futebol, política ou economia (acrescente aqui ainda o tema que desejar). É uma regra ressonante do jogo de viver neste mundo que, de um extremo a outro, nos apresenta uma paleta infindável de sensações e momentos. E, principalmente, se aplica à urgência dos tempos, que, incoerentemente, nos oferece opções de escolha que nossa cabeça não consegue processar no prazo que nos é hábil.

Na esteira das incertezas do perde e ganha, não existe um manual pronto. Mas há algumas premissas que lastram o agir.

Esperar é diferente de esperançar. O primeiro é estático, o segundo, movimento.
Persistir é diferente de insistir. O primeiro é fundado, o segundo é inútil.
Acreditar é diferente de fantasiar. O primeiro é imbuído de realidade, o segundo, o nome já diz.
Arriscar é diferente de auto sabotar. No primeiro, há chance de bons resultados. No segundo... Receita para o desastre.
Alertar é diferente de cobrar. O primeiro é cuidado, o segundo, incômodo.
Deixar ir é diferente de desistir. O primeiro acontece quando se esgotam as tentativas e é necessário abdicar. No segundo, ainda poderia haver potencial de prosperidade. Ou não.

Nessa viagem sem destino demarcado, nem caminho pespontado, faz-se providencial contextualizar de acordo com a conjuntura atual. Titubeando em suas realidades movediças, estão os imigrantes do Oriente Médio que chegam (ou não) à Europa; os brasileiros imersos numa crise política e econômica; e os afetados (acho que todos nós) pela tragédia do rompimento da barragem em Mariana.

O que foi projetado no mundo das ideias, não correspondeu ao executado na prática. E isso é produto frequente. Porém, assunto que rende um próximo texto.




Friday, August 14, 2015

Agora é a era dela



Nossa vida tem certos marcos. É irrefutável a verdade absoluta de que há algo acontecendo a todo tempo, porém, algumas conjunturas delimitam inequívocas eras dentro de nosso tempo de existência.

Por exemplo, quando um escritor se propõe a elaborar uma biografia de uma personalidade, a redação e pesquisa são realizadas sobre recortes da vida do objeto, demarcam-se importantes momentos e o trabalho é feito baseado nesse mosaico de diferentes realidades de tempo e espaço.

É sobre essa peculiaridade existencial, de uma personagem escolhida, que esse artigo trata. Vou me ater aos últimos 365 dias que consistiram numa era.

Embora o que vem a seguir preceda o período estabelecido acima, é justamente o que o desencadeou e faz-se importante.

Era uma vez uma jovem que se perdeu dentro de si mesma.

O mal do século, que não escolhe a quem tomar para si e que não está no controle de quem é ‘atacado’. A depressão a prendeu em seus perniciosos tentáculos. De início, gradualmente e despercebido, depois, rápida e vorazmente. Ela, seus genes, o ambiente e suas conexões neuroquímicas. Apatia!: Era a sua postura com relação ao trabalho, à profissão que tinha escolhido, aos amigos que a rodeavam, à família, ao presente e, por corolário, ao futuro. Mas principalmente com relação a si mesma. Não se julgava merecedora da vida. Pior, achava que aquilo era um castigo de sei lá o quê, já que não acreditava mais em nenhum ser supremo. A vida era o nada. E o nada era insuportável. E tudo que ela fazia, sempre no piloto automático, era inócuo.

Acorda, pensa em todas as tarefas do dia, reclama. Levanta, toma banho. Profere algumas rabugices, engole-as com o suco matinal. Senta-se à frente do computador, lê os emails e pendências do dia, acha tudo uma bela porcaria. Mas faz. Porque deixar de trabalhar nunca foi uma opção. Fim de expediente. Hora do terceiro turno na pós graduação. Tem ótimas ideias. Não dá prosseguimento a nenhuma. Estanca-se. Porque nada vale a pena. Mas continua frequentando as aulas. Porque parar de estudar nunca foi uma opção.

Encontra-se com amigos. Lamenta a vida, as decisões, as circunstâncias, a fome na áfrica, as guerras civis, as epidemias. Murmura e lança falas de efeito pessimista. Coloca-se como lixo humano. Não por querer se vitimar, mas por acreditar piamente nos impropérios que diz.  E pior, mas, principalmente, acredita também que isso tudo que grudou na sua mente - e que dita suas sinapses - é permanente. Mas talvez a sua circunstância existencial tenha passado velada para muitos. Mesmo os mais próximos podem não detectar, pois, por fora, ela se esforçava em expressar a mesma normalidade divertida de sempre.

Como muleta, mal sabendo que foi o catalisador de sua problemática, apaixona-se. Insiste. Cede. Insiste de novo. Engana-se. Cede. Insiste. Pensa estar num relacionamento que pode ir para frente e salvá-la daquela atmosfera de auto-degradação. Maior de seus erros: projetar em alguém uma potencial felicidade. Maior de seus pecados: não enxergar que não passava de um passa tempo deveras descartável. Ela, uma jovem sincera, dedicada e intensa. Ele. Sempre optou, deliberadamente, ser o mesmo nada de tudo da sua vida.

Fim da linha. Em seu âmago amargo não encontra doçura. Perde a consciência quase que diariamente. E só gasta sua energia planejando como colocar o ponto final nesta tortura interna.

Sucumba-se ou reaja! Com um ultimato de ordem cósmica, ela atendeu ao segundo imperativo. É hora de assumir o real mal que a acomete e buscar eliminá-lo, antes que o vice-versa aconteça. Inversão de hábitos, guinada de pensamentos e imersão em si mesma. Com a inescapável ajuda da indústria farmacêutica.

A cura se espelha na patologia: de início, gradualmente e despercebido, depois, rápida e vorazmente. Agora é a era dela e ela escolheu viajar.

Aí começam os 365 dias atrás.

Fim de férias. Volta à vida. Ou melhor. Fim de férias. Outra vida.

Com uma nova mentalidade como estandarte: a alegria é a coisa mais séria da vida; precisou atravessar o Brasil para entender que a felicidade não está no destino, mas na jornada; e que nada que te faça sorrir em paz vem de fora, mas do lado de dentro.

Imbuída de inspirações filosóficas, que tanto leu para ter combustível para seguir, descobriu que abandonou uma personalidade simpatizante – que baliza sua conduta nas respostas às emoções dos outros -, para adotar, com propriedade, uma personalidade sistematizadora – que se dedica a desnudar as peculiaridades e belezas que o mundo esconde.

Agora é a hora e a era dela. O panorama é outro porque seu paradigma mudou. Os êxitos são inevitáveis e se acumulam desde então.

Na semana passada, ela teve alta absoluta do psiquiatra. Ao se despedir, o médico a perguntou: o que você pode fazer depois de superar isso tudo?

Entendendo que quem passa por isso é capaz de aplicar o real significado da vida, em todas as instâncias - do prosaico ao transcendental -, ela então prometeu que, por meio de minhas palavras, contaria essa experiência ao mundo, pois entende a relevância dessa exposição, para que outras possam se refletir nela e desenhar suas novas eras.

Thursday, August 13, 2015

Tratado do saber viver – um verbo em consequência do outro

Olhar e realmente enxergar.
Ouvir e realmente escutar.
Falar e realmente dizer.
Ler e realmente entender.
Estudar e realmente saber.
Visitar e realmente conhecer.
Dançar e realmente extravasar.
Lutar para realmente conseguir.
Agir para realmente impressionar.
Avistar para realmente alcançar.
Provar e realmente experienciar.
Sentir para realmente significar.
Ficar para realmente permanecer.
Sorrir e realmente felicitar.
Ser para substancialmente existir.
Sucumbir à essência e complexidade da vida; para realmente viver.

Wednesday, April 22, 2015

O livro da verdade perdida

Era apenas mais uma entrevista com um personagem para construir uma boa matéria a ser entregue no trabalho. Acabou sendo uma bela e instigante história encontrada e a descoberta para apreciação de mais uma forma de fazer arte e produzir cultura. A minha pauta consistia no seguinte: fazer algumas perguntas para divulgar um evento de promoção da leitura, engendrado por uma senhora.
Mesmo estando de folga – recesso de feriado – peguei meu caderninho e minha caneta (não sou muito afeita a gravar entrevistas, gosto de anotar porque assim o texto já vai se desenhando em minha cabeça), e fui até à casa daquela que seria a minha fonte.
Começamos o nosso bate-papo e a senhora foi me entretendo facilmente com a explicação detalhada de como funciona a iniciativa que gerou o evento: há mais de 20 anos, em 1992, ela tinha descoberto que trazia em si o dom da oratória: sabia contar histórias e estórias de forma envolvente. Como boa escritora que é, um assunto puxava o outro, que desencadeava um terceiro.
Foi quando ela começou a me contar como aconteceu o seu noivado, anos atrás, que me perdi no enredo que ela narrava com intensidade e nostalgia.
Antes eu costumava pensar que, nos tempos de outrora, aqueles casamentos que aconteciam de maneira meteórica eram intempestivos e precipitados. Hoje, embora ainda ache que as coisas eram feitas de forma apressada e mediante pressão familiar e social, tento pensar na parte que também explica um pouco a mentalidade da época: as pessoas tinham mais honra e dignidade.
Pois bem, a senhora e seu ex noivo são um exemplo do paradigma daquela era.
Seus olhares se entrecruzaram num casamento de parentes em comum. Durante a festa de celebração do matrimônio, conversaram como velhos conhecidos, ou melhor, como recém apresentados, ávidos para saber um pouco mais, ou tudo, um sobre o outro. Na mesma noite, o rapaz, mais velho que a senhora então moça, lhe propôs um namoro, que teria que ser levado à distância, pois a moça, mineira, teria que suportar o trabalho dele, que o alocou no Ceará. Porém, para firmar compromisso, ele garantiu que em seis meses estaria de volta para dar-lhe a aliança de noivado e, mais um semestre depois, estaria pronto o casamento. Feliz e encantada, ela aceitou na hora.
Foram meses de troca de cartas poéticas, de se conhecerem mais a fundo e de se apaixonarem. Tudo acontecia como num romance, orquestradamente.
Como ocorre com milhões de almas amantes, que sofrem um baque imprevisto, às vésperas do matrimônio, baseada numa simples resposta que o noivo dera aos tios mais velhos, a moça decidiu não mais se casar. Por aquelas infelizes palavras, toda a imagem que ela havia construído de seu amor tinha sido manchada, desmoronando os planos feitos.
Desesperado com a decisão da moça, o rapaz voltou do Ceará definitivamente, pensando que, sanado o problema da distância, ela reataria. Nada feito. Na verdade, eles não mais se falaram e o moço nunca ficou sabendo as reais razões que levaram ao rompimento.
Como naquela época não tinha facebook ou instagram, ela nem mesmo postou qualquer indireta para que ele pudesse entender as entrelinhas.Como a vida não para para curarmos nossas dores de cotovelo, os caminhos dos dois tomaram rumos completamente diferentes.
O ponto final  dessa relação será posto agora, após tantos anos. A senhora, já bem resolvida, faz, do que lhe deu fôlego para continuar, o meio pelo qual revelará esse segredo que guinou sua trajetória ao terreno do imprevisto. Num livro já escrito, porém não publicado, ela, utilizando metáforas e outras figuras de linguagem, externa o que guardou há tempos.
Adianto, apesar de arrependimentos e da fantasmagórica pergunta ‘e se?’ que a acompanha, ela conseguiu se tornar o que julgava ser impossível caso tivesse consumado o casamento.
Quando a senhora concluiu a narrativa, percebi que tinha largado a caneta e protagonizado uma daquelas imersões que só acontecem quando estamos lendo um livro ou vendo um filme que sejam excepcionais a nosso entender.
Aquela entrevista não foi somente boa para que eu concluísse uma demanda de trabalho, também abriu os meus sentidos para a arte da contação de histórias. Uma das mais antigas formas de expressão cultural do mundo. Não me lembro de ter sido envolvida assim por um caso contado pessoalmente. Na verdade, são raras as vezes em que consigo abstrair de tudo ao redor, ou dos pensamentos incômodos que às vezes invadem a cabeça de todos nós e nos desvia a atenção do que merece. É mágico estar totalmente conectada a uma história ou estória, que sejam.
Outro estranhamento que me acometeu trata da minha aversão (não sei bem desde quando) a romances melódicos. Nada contra os apreciadores, mas, nos últimos tempos, todos os filmes ou livros que vi e li nada tinham de histórias de amor, não desse tipo de amor. Eu optava por obras cuja a história de dois amantes não era o mote, melhor ainda se não fosse nem o plano de fundo.
Talvez eu passe a direcionar meus olhares a essas narrativas sensíveis. Ou não. Pode ser que apenas essa, em especial, tenha me tocado a ponto de querer compartilhar com vocês.
Ao fim, o que penso, e talvez vocês também, é: o principal interessado no conteúdo do livro encontrará a verdade perdida que mudou a sua vida?

Tuesday, March 31, 2015

Defenestrando males tácitos

Defenestrando males tácitos 


Numa época em que boa parte da população brasileira - não somente parcela de cidadãos que faz panelaço em suas varandas gourmet -, se reúnem em grandes mobilizações sociais (?) a fim de pedir o impeachment da presidente Dilma Roussef, certos de que estarão banindo do mais alto grau administrativo da república brasileira um mal maior, vou me dedicar a dissertar sobre como é possível promover uma melhoria inimaginável na vida, apenas se livrando de miudezas imbuídas de um prejuízo velado a você mesmo. 

Abrindo aqui parênteses para deixar claro que não tenho menor intuito de me posicionar quanto a estar do lado dos que foram às ruas, dos que criticaram os que foram às ruas ou ainda dos que estão em outro caminho diferente dos dois grupos.

Retomando... não é preciso, para a tão sonhada leveza do ser (tão sonhada que intitulou um daqueles Best-sellers de auto ajuda) de que algo de grandes proporções nos acometa para que, como consequência inevitável, nossa vida se reoriente.

Muitas vezes, não é necessário que reinventemos a roda. Para que conquistemos a tal paz interior, que, a cada vez mais tem estado no cerne de anseios da sociedade contemporânea, basta pensar com razoabilidade.

A panaceia do mundo, salvas as devidas proporções, reside no mero auto conhecimento acompanhado de um poder de análise.

Somos capazes de apontar diversos males do universo, aqueles que atingem multidões e provocam mazelas em todo um povo e uma época. Mas talvez, se solicitados, não sabemos sinalizar os nossos pequenos vícios que geram moléstias individuais e até coletivas. A nossa capacidade de nos fazer mal é muito maior do que os danos que um terceiro pode nos causar. Essa potencialidade negativa nos passa despercebida. Mais perigosa, pois tácita.

Portanto, DEFENESTRE!

Elimine o que não é produtivo, engraçado, pacificador, tranquilizante, provocador de risos, edificante, elucidativo. Jogue para longe o que te induz a pensar que és menos do que realmente é.

Como aquela obsessão que você tem de postar selfies, quase implorando por curtidas; não é isso que vai te fazer se sentir querido. Ou quando você publica todos os momentos que você julga imperdíveis aos seus contatos, acompanhados de hashtags mirabolantes (infeliz mecanismo de comunicação das redes sociais que teve sua razão totalmente diluída nas inutilidades dos usuários); isso é o que você demonstra virtualmente, mas não é o verdadeiro panorama de sua vida.

Ou quando você insiste em sair com aquela turma que te faz se sentir inferior, sob qualquer que seja aspecto; não são eles os seus amigos que entendem o real conceito de amizade. Ou no trabalho, quando você acredita nos que maximizam seus erros e tornam seus feitos como coisas pífias; não são esses o que vão te dar um feed back certeiro de sua vida profissional.

Ou quando você se anula para poder agradar seus familiares; não é essa a aprovação que você precisa. Ou quando você projeta seus sentimentos e todos seus esforços em tentar fazer alguém feliz numa pessoa que mal sabe quem é você e que te coloca em órbita, fora de todos os círculos de sua vida; essa não é, nem de longe, a pessoa a quem você deve entregar o melhor que guardou de si.

Auto sabotagem. É isso. Ceder a todos essas imposições do imaginário coletivo – e de seu próprio – como as situações supracitadas. É como você boicotar a si mesmo. Não é difícil entrar nesse redemoinho pernicioso. Também não é fácil compreender que você está nessa situação e, menos ainda, se livrar desse imbróglio silencioso.

Nessa mesma toada, vivia Holden Caulfield, o protagonista de ‘O apanhador do campo de centeio’ (J. D. Salinger), um adolescente norte americano, aborrecido e rebelde pela causa obrigatória de ser assim, naquele contexto em que vivia – a discordância era característica intrínseca ao jovem da época.  O descontentamento que sentia em relação à sua vida, principalmente em relação aos pais, nada mais era do que a sua mania vazia de contestar por contestar.

Na mesma armadilha secreta caiu Jerry Falk, personagem vivido por Jason Biggs, no longa metragem ‘Igual a tudo na vida’, de Woody Allen. O jovem se via preso em duas amarras que tolhiam todo o fluxo de sua trajetória: não conseguia se desapaixonar da temperamental e leviana Amanda (Christina Ricci), nem largar o empresário bufão Harvey (Danny DeVito) que cuidava da sua carreira. O paradoxo era que, temendo sofrer de amor e ter fracasso na vida profissional, Jerry vivia nesse emaranhado cíclico: sofrendo de amor e sendo um fracasso, sem ter consciência disso.

Portanto, o primeiro dos males a ser eliminado é o tácito.