Friday, December 20, 2013

Prazer em ver





A Cia Luna Lunera emplaca mais um sucesso de público com a montagem da peça ‘Prazer’, que está em último fim de semana da temporada de apresentações no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Confesso que a minha motivação de assistir à peça foi a palestra que vi, dias atrás, ministrada por Odilon Esteves, um dos protagonistas de ‘Prazer’. Apesar de ter sido discutido, no encontro com o ator, as particularidades do tema ‘a construção de personagem’, ao fim, Odilon comunicou que estaria em cartaz na capital mineira com esta montagem da Luna Lunera e projetei na peça a excelente impressão que tive da palestra.

‘Prazer’ correspondeu às expectativas. Abordando um assunto que pode se tornar um entediante-mais do mesmo-dos clichês, a peça usa de situações prosaicas e mundanas para emergir o tema tão recorrente do valor às coisas simples da vida sem a pretensão de parecer um medíocre auto-ajuda.

Com a participação de quatro atores - dividem o palco com Odilon, Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza – o espetáculo é um drama com pitadas cômicas. O universo interno dos personagens está em cena, sendo expostas as suas angústias, frustrações, desesperanças, porém, permeadas pelos alívios cômicos que pululam do palco e a capacidade de resiliência dos personagens, que enfretam circunstâncias adversas naquele tempo espaço retratado.

No meu entendimento, o cenário dialoga com a mensagem que o texto da peça quer transmitir. Tudo lá está colocado de maneira que os atores consigam pegar com facilidade; tudo ao alcance de suas mãos. Assim como a felicidade deve ser: tangível. Ouso inferir também que a permanência dos personagens no palco durante toda a peça, sem sair de cena em nenhum instante sequer, seja para também incutir nos espectadores a ideia de que não devemos sair de cena da nossa própria existência.

A peça também ganhou minha admiração ao inserir duas músicas de Los Hermanos. Em um primeiro momento, o personagem Camilo cita versos da canção ‘Pois é’ . Noutro, o personagem de Odilon, em momento que mescla catarse e extravasamento, dança ao som de ‘Quem sabe’ . Completando as intertextualidades com obras que aprecio em alto grau, li que a montagem foi inspirada em trecho do livro “Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, um dos meus favoritos de Clarice Lispector. Uma combinação excelente e bem sucedida.

Não poderia deixar de citar também a encantadora declaração de amor semiótica que Camilo faz para a personagem de Isabela Paes, utilizando de objetos que traziam significantes importantes à felicidade dos dois como casal para denotar o amor que dedica à ela.

Por fim, impossível não abrir um sorriso sincero na última cena da peça em que os quatro tomam banho de mangueira e dançam ao som de ‘Viva La vida’, de Cold Play. Escolha óbvia, porém, acertada. 

‘Prazer’ é um simulacro de um recorte da vida real,  em momentos que vão da decadência à ascensão, que inspira: é combustível poético e reflexivo.

Wednesday, September 4, 2013

Os filmes imitam o maniqueísmo da vida


Outro dia, numa maratona de filmes a que me submeti sozinha, assisti a dois longas metragens que me fizeram pensar no quanto eram díspares por apresentar universos simbólicos tão opostos e no quanto esses mundos enunciavam sobre as nossas próprias realidades.

Enquanto em um – Terapia de Risco (EUA, 2005), direção de Steven Soderbergh – a realidade fílmica era constituída por um leque de personagens no qual todos apresentavam uma integridade moral e humana absolutamente permeável; no outro - O Fabuloso destino de Amelie Polain (França, 2001), direção de Jean-Pierre Jeunet - o universo simbólico era composto por personagens dotados de certa aura de ingenuidade que beira a mais inatingível (?) utopia da realidade.

Em Terapia de Risco, até quem parecia o mais nobre dos personagens, vivido por Jude Law, acaba a estória como um psiquiatra que utiliza das chancelas profissionais inerentes à sua função para se vingar de uma ex-paciente que tentou lhe prejudicar. No outro extremo, até o menos benevolente personagem de Amelie fecha a trama como alguém que tinha aprendido a ser (um pouco) melhor.

Em breve resumo, para nivelar o raciocínio aqui proposto, Terapia de Risco é um enredo que trata do opaco mercado dos remédios de tratamento para a cura da depressão. Assim sendo, desvela todas as teias de relações, mais referentes a poder e dinheiro do que a preocupações com a saúde, que esse tema envolve. Em consonância a tal contexto, os momentos cênicos que abarcam iluminação, cenários e movimentos de câmera instigam no espectador as mais sombrias e angustiantes sensações.

Por outro lado, Amelie, a personagem principal que nomeia o longa, tocada por uma epifania mais mundana do que transcendental - por mais paradoxal que essa definição acabe sendo -, compreende que deve mudar a realidade que a rodeia , criando situações que façam as circunstâncias da vida de seus conhecidos adquirirem contornos mais coloridos. A grande contradição de Amelie se forma devido à sua completa disposição para arquitetar acontecimentos que promovam melhorias na vida dos outros contraposta à absoluta parcimônia, que beira a inércia, quando o assunto é a busca de sua própria felicidade. Para mim, essa é a principal característica incongruente da personagem que dá o verdadeiro fôlego ao filme.

Alinhada a essa temática pueril, a textura do longa francês nos apresenta cenários coloridos em uma bela fotografia, cujas cenas têm um ritmo rápido e montagem dinâmica.

Como semelhança, as duas tramas têm a fidedignidade aos universos simbólicos que propõem representar. Em ambas, os personagens são redondos e bem desenhados, e, por isso mesmo, instigantes. A comparação desses filmes também se faz relevante porque os dois sublinham bem as evidentes diferenças que existem entre o cinema europeu e o norte americano.

Ative-me a ser rasa quanto à análise e exposição sinóptica dos filmes para dedicar mais à comparação desses que podem ser dois mundos aplicáveis à realidade de cada um de nós. Em qual universo você prefere fazer uma imersão? A vida é sempre o produto de suas escolhas. 

A minha indicação musical da vez é proposital: evidencia em qual universo simbólico eu decidiria viver:
   

Tuesday, August 13, 2013

Advérbios e aforismos - Dicionário incompleto, alternativo e circunstancial


Anacronicamente: Viver o passado é negligenciar o presente e sentenciar o futuro ao esmo.

Cordialmente: Despedida formal de emails que nada tem a ver com ‘de coração’.

Desesperadamente: A pior forma de desespero é perder-se dentro de si mesmo.

Eternamente: Crer na infinitude das coisas é atestado para a frustração.

Formalmente: Péssimo jeito de lidar com as ocasiões.

Gradualmente: O indicado para conseguir tudo na vida; grande inimigo dos afoitos.

Honestamente: Maneira árdua de ganhar dinheiro.

Igualitariamente: Palavra repetida por todos os revolucionários. 

Juntamente: A forma mais eficiente de produzir algo.

Literalmente: Uma palavra de acepção muito útil que caiu no gosto de todos e tem sido usada em momentos descabidos. 

Momentaneamente: Um período de tempo que pode ser muito longo ou muito breve. Depende do que está sendo feito.

Misteriosamente: Desista. Você será descoberto!

Nitidamente: Maneira que você nunca enxerga a situação pela qual está passando.

Perdidamente: Regra de qualquer paixão.

Politicamente: Segue certo sistema pré determinado ou, no senso comum, imbuído de trâmites corruptos.

Relativamente: A palavra mais útil e aplicável de todo o dicionário.

Sigilosamente: Forma como nunca procede uma ação que seja errada.
  
Tempestivamente: Como as coisas deveriam acontecer, mas quase nunca acontecem. 

Velozmente: A condição do tempo quando o dead-line está apertado.


Thursday, August 1, 2013

A supremacia do tempo






A inclemência do tempo é condição inequívoca que rege a vida de qualquer um. Não há como fugir dos impactos dele, sejam positivos ou negativos. Se a fase é ruim, o efeito psicológico é de que o tempo se arrasta como se fosse uma força sádica que quisesse prolongar nosso sofrer; quando a época é boa, a impressão que se tem é de que o tempo está só de passagem e que, logo, em um instante breve, ele levará consigo os tão bons ventos que o trouxeram. O tempo sabe ser o melhor remédio, mas a agonia de querer que ele passe, é o pior castigo.

Essa rasa reflexão basta para introduzir a resenha do livro ‘A visita cruel do tempo’, de Jennifer Egan, que tem como lastro o poder supremo que o tempo exerce sobre a vida do ser humano. Na contramão dessa subordinação que a autora parece sentir com relação ao tempo, ela o dilui dentro da narrativa, fazendo o leitor não se situar bem sobre qual o momento das cinco décadas circunscritas dentro da estória está lendo.  

Cada capítulo de ‘A visita cruel do tempo’ é narrado por um personagem diferente, que, ora se dirige ao leitor em primeira pessoa, ora em terceira. Todos os personagens carregam em si as agruras que o tempo inevitavelmente provoca na vida dos indivíduos. Paralela aos sentimentos subjetivos advindos com o passar dos anos, Egan também traz à tona a franca decadência de carreiras de produtores musicais arrebatadas pelos novos rumos que esse nicho de mercado veio ganhando devido à evolução dos meios digitais.

Nessa toada, a autora consegue um movimento de constante alocação da atenção do leitor, que transita do universo particular dos personagens e seus dramas psicológicos para o contexto mais geral que abarcam essas situações.

Vencedora do Pulitzer de 2011, Egan, com sua narrativa randômica, conseguiu expor em  livro um daqueles roteiros fílmicos de estórias paralelas; assim como David Cronenberg perfeitamente imprimiu em Crash (1996) e Alejandro González fez incrivelmente em Babel (2006) – para citar apenas dois dos muitos exemplos dessa estrutura narrativa.

Vale a pena ler e se perder nas elipses perfeitas que essa autora nos impõe a cada fim e início de capítulo. 

Para ouvir:  http://bit.ly/13qh05t


Wednesday, July 24, 2013

Quase


Se me perguntassem o que seria um dos grandes malefícios do mundo, eu responderia que é a falácia do ‘quase’.

Em junho passado, tivemos no país uma quase revolução. As pessoas foram às ruas e bradaram ou, em outros casos, curtiram como se aquilo fosse mudar os rumos do Brasil, quando, na verdade, quase nada na prática aconteceu.

Milhares de almas sensíveis choram diariamente com os quase romances que viveram, pensando serem eternos, mas que no fim, eram apenas quase um relacionamento.

Outros se sentem decepcionados com os quase amigos que tiveram. Aqueles que estavam de prontidão para as euforias da vida, mas que quase se escondem quando outras necessidades aparecem.

Ou como quando você quase ganha milhões na mega sena, mas, de fato, gastou foi alguns reais em vão.

Os quase honestos, por exemplo, podem passar dessa condição para totalmente corruptos quase na velocidade da luz.

Torcedores lamentam os times quase campeões...

O quase é uma tentativa que não deu certo. É o fiasco. O fracasso.

Como aquele longa metragem de ação que é quase um filme, mas que na verdade não passa de um aglomerado de efeitos especiais com truques de montagem e edição.

Ou como aquela banda, quase sucesso nacional, mas que só é escutada pelos parentes dos integrantes.

Ou aquele ônibus que você pega todas as manhãs que é quase um transporte público, mas no fim é mais quase um traslado de animais.

Ou como a Pepsi que é quase uma Coca.

Ou, ainda, como a felicidade de muitos estampada no Facebook, que é quase uma vida real, mas que na verdade é só uma máscara virtual.

E isso aqui foi quase um bom texto, de uma quase jornalista, quase roteirista de cinema e quase produtora e crítica cultural, que, no fim das contas, é quase nada. Mas eu chego lá. Ou quase lá.