Friday, August 14, 2015

Agora é a era dela



Nossa vida tem certos marcos. É irrefutável a verdade absoluta de que há algo acontecendo a todo tempo, porém, algumas conjunturas delimitam inequívocas eras dentro de nosso tempo de existência.

Por exemplo, quando um escritor se propõe a elaborar uma biografia de uma personalidade, a redação e pesquisa são realizadas sobre recortes da vida do objeto, demarcam-se importantes momentos e o trabalho é feito baseado nesse mosaico de diferentes realidades de tempo e espaço.

É sobre essa peculiaridade existencial, de uma personagem escolhida, que esse artigo trata. Vou me ater aos últimos 365 dias que consistiram numa era.

Embora o que vem a seguir preceda o período estabelecido acima, é justamente o que o desencadeou e faz-se importante.

Era uma vez uma jovem que se perdeu dentro de si mesma.

O mal do século, que não escolhe a quem tomar para si e que não está no controle de quem é ‘atacado’. A depressão a prendeu em seus perniciosos tentáculos. De início, gradualmente e despercebido, depois, rápida e vorazmente. Ela, seus genes, o ambiente e suas conexões neuroquímicas. Apatia!: Era a sua postura com relação ao trabalho, à profissão que tinha escolhido, aos amigos que a rodeavam, à família, ao presente e, por corolário, ao futuro. Mas principalmente com relação a si mesma. Não se julgava merecedora da vida. Pior, achava que aquilo era um castigo de sei lá o quê, já que não acreditava mais em nenhum ser supremo. A vida era o nada. E o nada era insuportável. E tudo que ela fazia, sempre no piloto automático, era inócuo.

Acorda, pensa em todas as tarefas do dia, reclama. Levanta, toma banho. Profere algumas rabugices, engole-as com o suco matinal. Senta-se à frente do computador, lê os emails e pendências do dia, acha tudo uma bela porcaria. Mas faz. Porque deixar de trabalhar nunca foi uma opção. Fim de expediente. Hora do terceiro turno na pós graduação. Tem ótimas ideias. Não dá prosseguimento a nenhuma. Estanca-se. Porque nada vale a pena. Mas continua frequentando as aulas. Porque parar de estudar nunca foi uma opção.

Encontra-se com amigos. Lamenta a vida, as decisões, as circunstâncias, a fome na áfrica, as guerras civis, as epidemias. Murmura e lança falas de efeito pessimista. Coloca-se como lixo humano. Não por querer se vitimar, mas por acreditar piamente nos impropérios que diz.  E pior, mas, principalmente, acredita também que isso tudo que grudou na sua mente - e que dita suas sinapses - é permanente. Mas talvez a sua circunstância existencial tenha passado velada para muitos. Mesmo os mais próximos podem não detectar, pois, por fora, ela se esforçava em expressar a mesma normalidade divertida de sempre.

Como muleta, mal sabendo que foi o catalisador de sua problemática, apaixona-se. Insiste. Cede. Insiste de novo. Engana-se. Cede. Insiste. Pensa estar num relacionamento que pode ir para frente e salvá-la daquela atmosfera de auto-degradação. Maior de seus erros: projetar em alguém uma potencial felicidade. Maior de seus pecados: não enxergar que não passava de um passa tempo deveras descartável. Ela, uma jovem sincera, dedicada e intensa. Ele. Sempre optou, deliberadamente, ser o mesmo nada de tudo da sua vida.

Fim da linha. Em seu âmago amargo não encontra doçura. Perde a consciência quase que diariamente. E só gasta sua energia planejando como colocar o ponto final nesta tortura interna.

Sucumba-se ou reaja! Com um ultimato de ordem cósmica, ela atendeu ao segundo imperativo. É hora de assumir o real mal que a acomete e buscar eliminá-lo, antes que o vice-versa aconteça. Inversão de hábitos, guinada de pensamentos e imersão em si mesma. Com a inescapável ajuda da indústria farmacêutica.

A cura se espelha na patologia: de início, gradualmente e despercebido, depois, rápida e vorazmente. Agora é a era dela e ela escolheu viajar.

Aí começam os 365 dias atrás.

Fim de férias. Volta à vida. Ou melhor. Fim de férias. Outra vida.

Com uma nova mentalidade como estandarte: a alegria é a coisa mais séria da vida; precisou atravessar o Brasil para entender que a felicidade não está no destino, mas na jornada; e que nada que te faça sorrir em paz vem de fora, mas do lado de dentro.

Imbuída de inspirações filosóficas, que tanto leu para ter combustível para seguir, descobriu que abandonou uma personalidade simpatizante – que baliza sua conduta nas respostas às emoções dos outros -, para adotar, com propriedade, uma personalidade sistematizadora – que se dedica a desnudar as peculiaridades e belezas que o mundo esconde.

Agora é a hora e a era dela. O panorama é outro porque seu paradigma mudou. Os êxitos são inevitáveis e se acumulam desde então.

Na semana passada, ela teve alta absoluta do psiquiatra. Ao se despedir, o médico a perguntou: o que você pode fazer depois de superar isso tudo?

Entendendo que quem passa por isso é capaz de aplicar o real significado da vida, em todas as instâncias - do prosaico ao transcendental -, ela então prometeu que, por meio de minhas palavras, contaria essa experiência ao mundo, pois entende a relevância dessa exposição, para que outras possam se refletir nela e desenhar suas novas eras.

Thursday, August 13, 2015

Tratado do saber viver – um verbo em consequência do outro

Olhar e realmente enxergar.
Ouvir e realmente escutar.
Falar e realmente dizer.
Ler e realmente entender.
Estudar e realmente saber.
Visitar e realmente conhecer.
Dançar e realmente extravasar.
Lutar para realmente conseguir.
Agir para realmente impressionar.
Avistar para realmente alcançar.
Provar e realmente experienciar.
Sentir para realmente significar.
Ficar para realmente permanecer.
Sorrir e realmente felicitar.
Ser para substancialmente existir.
Sucumbir à essência e complexidade da vida; para realmente viver.