Tuesday, April 15, 2014

O Retrato de Dorian Gray é o retrato da sociedade contemporânea

Oscar Wilde escreveu no século XIX um livro de uma contemporaneidade estarrecedora. Um dos maiores autores irlandeses inspirou gerações de leitores e, agora, influencia cineastas e espectadores. Portanto, não foi surpreendente que o diretor Oliver Parker tenha dirigido um longa metragem (2009),  homônimo ao livro.

Não sei se Oscar Wilde tinha a pretensão de ser um visionário, mas, enxergo a lucidez da sua obra quando se compara ao que se vive na atualidade. Por isso é que o filme veio a calhar nos anos 2000. Para um espectador menos afiado, a obra pode não passar de um suspense psicológico ordinário.

Porém, fiz a leitura - que pode muito bem ser equivocada – de que o filme não se atém ao fato do protagonista Dorian Gray, vivido por Ben Barnes, entregar a sua alma ao diabo para ter eternamente uma aparência bela e jovial. Entendo, principalmente pelo tom do livro que inspirou o longa, que se trata de uma metáfora dialética sobre o culto às aparências, uma ode à vaidade humana que, quando em grandes proporções, é perniciosa não só a quem a detém, como também para os que rodeiam o vaidoso.



Nesse sentido, a temática de ambas as obras versa sobre a superficialidade do comportamento (des) humano. Aquele indivíduo calcado no hedonismo, que apenas mantém relações superficiais, agindo de forma obtusa e leviana, com interesses individualistas que suplantam sentimentos alheios.

Um reflexo ainda mais lastimável da sociedade dos dias de hoje é que antes, como defendia Maquiavel, para homens de grandes responsabilidades, alguns desvios de conduta em prol de um objetivo nobre, era aceitável. A situação se banalizou de tal maneira que, por quase nada, estão metralhando deslealdades, quase sempre por interesses egoístas. A grande maldade começa em suas pequenas manifestações. O estilo vil de vida anda em alta, que ele não se torne via de regra.
   
Destaque para o jogo de elementos cênicos do filme. No sótão onde Dorian isola o seu retrato pintado, há, ao lado do quadro, um espelho. Sempre que ele observa a pintura, em contra ponto, ele olha para o espelho e enxerga a inexorável discrepância entre o que ele aparenta ser – estampado em sua bela imagem refletida no espelho – e o que a vida e suas atitudes fizeram dele: um verdadeiro monstro. Sublinho também a atuação do manipulador amigo de Dorian, Harry (Colin Firth), que, por ironia da estória, provou do seu próprio veneno, personagem tão brilhante como quando protagonizou, um ano depois, o Discurso do Rei.

É nessa toada que vou concluindo, apesar de ainda ter muito o que dizer sobre esse enredo digno de obra prima. As analogias que pululam na mente ao assistir o filme são muitas. Dorian é perfeito em sua aparência, assim como a pintura que lhe foi feita, mas também como o quadro que o ilustra, ele é apenas aquilo: a superfície. Não há nada por trás. Nem por dentro. A imagem de Dorian estava construída, ao contrário de sua integridade, que foi minando até inexistir, maldade depois de maldade.


P.S.: Apesar de todo pessimismo escancarado na crítica, ainda é prudente – ou inocente - acreditar na potencialidade do ser humano em ser bom. Muita coisa que a vida me traz, sinaliza isso.