Dos hermanos argentinos, um conto de fadas atualizado: com os aparatos e mentalidades que os novos tempos trouxeram. Medianeiras (Gustavo Taretto, 2011) é uma crônica moderna sobre as relações amorosas dos tempos atuais. Moderna na sua sincronia temporal, mas também pela forma como versa a estória do encontro de um par, depois de muitos desencontros quando eram só um.
Esteticamente
primoroso, o longa-metragem parece ter sido inspirado no livro Amor Líquido, do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Ambas as obras abordam os contornos
obtusos e superficiais que as interações humanas têm adquirido. Tanto na
literatura quanto no cinema, autor e diretor imputam essa nova tendência ao advento
das novas tecnologias, que criaram e popularizaram as demonizadas redes
sociais. A leviandade comportamental e a fragilidade das bases das relações
podem até ter sido influenciadas por esses avanços, mas não se pode transferir
às máquinas a culpa de atitudes e posturas completamente (des) humanas.
O filme dos
nossos vizinhos – que também não ganharam a copa no Brasil - traz à tela uma incontestável
aula semiótica e metafórica. Bastante simbólico é o perfil do protagonista
Martin. Vivido por Javier Drolas, o
personagem trabalha no conforto do seu apartamento, como desenvolvedor de
sites. Além de instrumento de trabalho, Martin tem o computador como meio de
vida. Através dele, o jovem faz tudo o que (acha) que precisa: compra, paga
contas, se informa, joga e bate-papo.
Medianeiras tem dois personagens como núcleo principal. Além de Martin,
bastante presente também no enredo é Mariana (Pilar López de Ayala), uma
arquiteta que se ocupa em decorar vitrines. Nesse momento, vale mencionar as
imagens em time-lapse que remontam a
construção de uma metrópole, no caso, Buenos Aires. A agilidade das cenas
sugerem também o resultado disso: tão rápido se faz, mais veloz se desfaz. Os
fios, que sujam os céus, na ideologia, deveriam servir para deixar as pessoas
mais ‘conectadas’, porém não interligam nada nem ninguém, apenas impõem uma
distância que não deveria existir.
Outra excelente metáfora visual e reflexiva consiste no ofício de
Mariana. Ali, vestindo manequins, ela está num lugar tênue: nem dentro da loja,
nem na rua; ela vive naquele espaço, onde está somente ela e os bonecos. Tal
como na sua existência: ela passa a vida dentro de seu apartamento, sozinha, como
se ali pudesse se ‘proteger’ da realidade. Sempre numa total ausência de vigor
e animação, tal como os manequins.
Elemento chave para a compreensão da estória é o livro preferido de
Mariana. A personagem guarda com carinho e zelo um daqueles conjuntos de páginas
no qual, em cada uma, é preciso saber ‘Onde está o Wally?’. Ironia que só se
completa no desfecho do filme, Mariana somente não destrinchou uma figura: ‘Wally
urbano’.
Antes de chegar ao ato final, vale mencionar a cena em que o encontro de
Mariana e Martin começa a ser ensejado. Os dois começam a conexão devido às
medianeiras, título do longa. Conceito também vindo da arquitetura, medianeiras
são os vãos entre blocos prediais onde não são construídas janelas.
Contrariando a lógica, os protagonistas decidem abrir janelas naquelas paredes
cegas, e, com elas, passam a enxergar um mundo que desconheciam. Um de frente
para o outro.
Como o início do filme já denota, Martin e Mariana irão ficar juntos.
Mas não é esse desfecho já explicitado que garantiu ao filme o prêmio de melhor
longa-metragem, em Gramado. A temática da narrativa já carrega, por si só, grandes doses de relevância, pois trata da paradoxal solidão num mundo onde os
avanços acontecem, em sua teoria, para aproximar as pessoas. A retratação tão
profunda e representativa dessa característica inerente à sociedade moderna,
junto a uma montagem de cenas ágil, mas com trilha sonora melancólica, já
fariam da obra um excelente enredo, propulsor de pertinentes reverberações acerca
de questões incontestavelmente atuais.
Porém, o que dá o toque de excelência à produção de Gustavo Taretto é o 3º ato. De sua janela,
Mariana avista o horizonte, mas, ao fixar o olhar em um ponto, (tal como fazemos para
achar o personagem Wally) eis que ela decifra o enigma que a acompanha desde
criança: num cantinho da calçada está Martin, sua alma gêmea encomendada desde
o início do filme, vestido com uma camisa de listras largas vermelhas e
brancas. Ela encontrou o Wally.
* Serendipidade: descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso.