Tuesday, October 23, 2018

Epítome


Sempre me apaixonei por palavras que acabara de conhecer cujos significados eram conceitos ou acepções extremamente interessantes. Foi assim, há um tempo, quando procurei o que era “resiliência”. Virou um mantra a ser repetido. Com menos carga sentimental e mais humorística, uso muito as palavras “incólume”, “empírico”, “insólito” e ”inóspito”. Lembro-me de um dia ter respondido a uma colega de trabalho que não havia encontrado o livro que ela tinha me pedido emprestado porque habitava um lugar inóspito do meu guarda-roupas.

Recentemente coloquei no meu rol de xodós a palavra epítome. Sua acepção é a seguinte: o que resume, simboliza, serve como modelo ideal de. Gostei bastante do significado. A partir desse conhecimento, fui viajando por quanta epítome tem espalhada por esse mundão. Mas também pensei que cada nova epítome pode ter uma parcela bastante subjetiva. É uma palavra que depende do indivíduo que a aplica. Por isso, fiz a minha própria lista de epítomes.

Praia (com sol) é meu epítome de passeio; escrever é meu epítome de meio e objetivo de vida; família é meu epítome de suporte; amizade é meu epítome de diversão; futebol é meu epítome de esporte; um bom filme ou série é meu epítome de aconchego; endorfina é meu epítome de euforia; humorizar a vida é meu epítome de escape – e também de inteligência; Woody Allen é meu epítome de bons diálogos; conhecer é meu epítome de evolução; fé (em seu amplo sentido) é meu epítome de conseguir; meu noivo é meu epítome de amor.  

E para você, quais são seus epítomes?


Dentro ainda da magia das palavras, indico o texto “Palavreado” muito interessante de Luís Fernando Veríssimo em que ele brinca também com os vocábulos da língua portuguesa.  A tônica é inversa, o escritor pinçou palavras incomuns e desenvolveu o texto com significados que ele pensava combinar mais com a ortografia e fonética. Ele desenvolve um conto utilizando substantivos comuns para nomear substantivos próprios. Vale a leitura lúdica!


Tuesday, March 6, 2018

O fim: um novo começo



A vida (re) começa o tempo todo. E termina. E começa. E termina.

O exercício do viver é cíclico. Se por um lado, sofremos com o fim, no outro extremo, nos alegramos com o começo. Mas o vice-versa também vale. Podemos nos alegrar – aliviar – com o término, bem como nos entristecer com um início – de algo indesejado. Ou podemos, ainda, começar odiando o término e acabar amando tanto o novo começo que o fim se torna alegre, numa reinterpretação metafísica da própria existência.

As palavras e conceitos Começo e Fim têm seus significados macro e micro. Geral e particular. Genérico e específico. Aplicam-se, em amplo sentido, no nascer e morrer do corpo, mas também são vivenciados durante toda a vida. A cada fase individual de todo ser humano.

Fim e Começo são intrínsecos ao ato de existir. Nas minúcias, miudezas e nuances e nos grandes atos de eloquência da vida. O movimento da Terra em torno de si mesma já crava um começo e um fim diários.

Na condição de perene insatisfação – do querer mais, melhor e diferente – demasiadamente inerente ao ser humano, começa-se a todo momento: uma dieta, um esporte, um curso, um hobby, uma amizade, um relacionamento, uma aproximação, um projeto, uma construção (concreta ou abstrata), um encontro, um livro, um filme, uma série, uma religião, uma filosofia, um estilo, um contrato. A palavra começo agrega em si várias outras como: desafio, novidade, oportunidade.

O fim já vem com uma carga diferente. Mais pesada, sofrida, penosa. Mas não tem que ser assim. É bom se lembrar que só veio um começo porque o fim o viabilizou, na mesma lógica de toda escolha é uma perda. E nada disso tem que ser ruim. Sofremos – em grandes e pequenas proporções – a vida toda porque depois disso, vamos ter o que comemorar, nem que seja o aprendizado com o fim ou começo de algo.

Eu mesma tenho dificuldades com encerramentos – dos mais fugazes aos que causam maior impacto. Dias atrás sofri porque estava apegada a uma série da Netflix e assisti todos os capítulos. Noutra visão, ficaríamos incompletas (eu e a série) se não concluísse os episódios. Também fico chateada no último dia das minhas férias, mas elas só existem porque tenho um trabalho a começar todo novo dia. Durante toda minha infância, sofri quando ia mudar de cidade. Mas fui feliz nos novos lugares onde fui. Fico incomodada quando um campeonato acaba, no último dia de aula de um curso, no último dia de serviço num emprego.

E, em última proporção, entristeço-me profundamente com o fim da vida de alguém muito importante, mas sei também me alegrar pelo alívio do sofrimento e, com minhas crenças, ficar feliz com o novo começo depois da morte.

Também tem os fins ansiados. Geralmente são os que vêm travestidos de conclusão. É ótimo finalizar algo que estava em curso: uma monografia, um trabalho, uma fase, um jogo, uma tarefa, um prato. Mas até mesmo esses términos deixam um vazio, um espaço no tempo.

Uma das minhas artistas nacionais favoritas, Fernanda Torres, dedicou um livro inteirinho ao título e temática dessa curta palavra: Fim. Como lhe é peculiar, ali, esse tema espinhoso, e que às vezes preferimos deixar debaixo do tapete, é tratado com muito bom humor e com viés inusitado. Vale a leitura.

Naturalizemos o fim. Ele vai existir. Vai permear constantemente nossas vidas. Não porque viemos sofrer, mas porque viemos aprender, evoluir e prosseguir com progresso.

E esse texto acabou, para os que chegaram até aqui pode ser um fim penoso (se não gostaram) ou gratificante (se curtiram). Ou ainda, se achou bom e terminou, pode achar ruim porque acabou, neste caso, alegre-se, vai ter muito mais. Tudo é interpretação e reação.

Wednesday, January 17, 2018

Sentimentos correlatos


De um surge o outro. De um ato, um fato, um retrato: do momento. Um sentimento, que puxa outro e outro e outro numa cadeia sem fim e com muitos elos.

Nenhum sentimento é isolado ou se estanca em si mesmo. É uma rede elástica de conexões e construções. Talvez a premissa do se sentir como um ser humano, com suas virtudes e vícios, passa, principalmente, pela alteridade.

Como uma ação e reação intermitente, a vida é um fio da meada que provoca, instiga e conecta pessoas; atitudes e consequentes sentimentos.

Nessa edificação humana vemos o nascer, crescer e, ao invés de morrer, transformar dos – bons e maus – sentimentos.

Para os bons, comecemos com a afinidade. Essa, em grande parte das vezes, é o início de tudo. Afinidade vem junto com compartilhar: uma visão de mundo, um projeto político, um sonho de viagem, um gosto pessoal, uma paixão por um time, uma prática de esporte, um diretor de filme, uma banda, uma combinação de signos, uma energia, que seja. É algo importante seu ou para você, mas que você também enxerga no outro.

Da afinidade, o caminho se encurta. É o primeiro passo de uma amizade, que é um formato de relação onde cabe uma gama longa de sentimentos correlatos. Amizade vira amor, facilmente. Podemos amar nossos amigos e ser amigos dos nossos amores.

Da afinidade: a paixão, o encantamento, o querer estar, passar e permanecer – verbos que traduzem sentimentos. A amizade. O amor.

Por outro lado, a falta dela pode ser também o começo de uma construção de sentimentos correlatos que não perpassa por caminhos tão pueris e bonitos. Dessa ausência, somada a uma pitada de egoísmo e apatia com o próximo e com o mundo, vem a intolerância - o discurso do ódio. O mal instaurado.

Talvez a transformação de sentimentos que realmente precisemos é a alteridade desdobrada em empatia. Para essa, toda forma de redenção.
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Alteridade: Do latim alteritas ('outro') é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o ser humano social interage e interdepende do outro.